Números especiais
Pares e ímpares
Onde tudo começa…
O conjunto dos múltiplos naturais de [tex] \, 2 \, [/tex], [tex]\{0, \, 2, \, 4, \, 6, \, 8, \, \cdots \, \}[/tex], define uma categoria importante e muito antiga de números naturais: os números naturais pares. Um número natural [tex]n[/tex] é dito par se [tex]n[/tex] for um múltiplo de [tex]2[/tex]; assim temos formalmente a seguinte definição:
Definição: Um número natural [tex]n[/tex] é dito par se existir um número natural [tex]k[/tex] de modo que [tex]n=2k[/tex].
Um número natural que não seja par chama-se ímpar.
Se denotarmos o conjunto dos números naturais pares por [tex]\mathbb{P}[/tex] e o conjunto dos números naturais ímpares por [tex]\mathbb{I}[/tex], então [tex]\mathbb{I}[/tex] será constituído pelos números naturais que não são pares e, assim, [tex]\mathbb{P}=\{0, \, 2, \, 4, \, 6, \, 8, \, \cdots \, \} \, \, [/tex] e [tex] \, \, \mathbb{I}=\{ \, 1, \, 3, \, 5, \, 7, \, 9, \, \cdots \, \}[/tex].
Perde-se no tempo a classificação dos números naturais em pares e ímpares. Na Grécia Antiga, essa classificação já aparece na Escola Pitagórica, por volta de 500 anos a.C., e com uma interpretação muito próxima da que utilizaremos como definição. De acordo com a concepção pitagórica:
par é o número que pode ser dividido em duas partes iguais, sem que uma unidade fique no meio; e ímpar é aquele que não pode ser dividido em duas partes iguais, porque sempre há uma unidade no meio.
Tá, os pares são os múltiplos de [tex]2[/tex] e os ímpares são múltiplos do quê? |
Os números naturais ímpares não vão ser caracterizados como múltiplos de um número natural específico, pois esse número não existe. A caracterização dos ímpares é feita de uma forma diferente. Observe a próxima discussão.
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Caracterização dos números naturais ímpares
Inicialmente, vamos mostrar que não podemos caracterizar os naturais ímpares como múltiplos de um determinado número natural, pois tal número não existe.
Justificativa: Claramente [tex]1[/tex] não é par ( [tex]2\times 0=0\lt 1\lt 2=2\times1\lt 4=2\times 2\lt\cdots)[/tex], logo é ímpar. Por outro lado, o único número natural do qual [tex]1[/tex] é múltiplo é o próprio [tex]1[/tex]. Assim, se todos os ímpares fossem múltiplos de um determinado número natural, esse número deveria ser [tex]1[/tex]. Mas notem que todos os pares também são múltiplos de [tex]1[/tex]; logo ser múltiplo de [tex]1[/tex] não é uma característica exclusiva dos ímpares e, portanto, não podemos dizer que os ímpares são aqueles números naturais que são múltiplos de [tex]1[/tex], pois os pares igualmente o são.
Tentemos, então, outra caracterização.
[tex]n[/tex] | [tex] \, \, 2[/tex] | [tex]\qquad \qquad (1) \, \, 0 \le r \lt 2\qquad \qquad [/tex] |
[tex]r [/tex] | [tex] \, \, q\qquad [/tex] | [tex]\qquad (2) \, \, n=q \times 2+r[/tex]. |
Como, por [tex](1)[/tex], [tex]0 \le r \lt 2 [/tex], temos apenas duas opções para [tex]r[/tex]: [tex]r=0[/tex] ou [tex]r=1[/tex]. Logo, se [tex]n[/tex] for um número natural, de acordo com [tex](2)[/tex], [tex]n[/tex] pode ter duas formas:
[tex]\qquad n=q \times 2\qquad [/tex] ou [tex]\qquad n=q \times 2+1[/tex].
Se [tex] \, n=q \times 2[/tex], então [tex]n[/tex] é múltiplo de [tex]2[/tex]; portanto par. Bom, isso já sabíamos; afinal, a forma de um par não é [tex]2k[/tex]?
Se [tex] \, n=q \times 2+1[/tex], então [tex]n[/tex] não é múltiplo de [tex]2[/tex]; ou seja, é ímpar. Essa é a novidade: a forma de um ímpar é [tex]2k+1[/tex].
Resumindo a discussão:
● Se [tex]n[/tex] é um número natural, então [tex]n[/tex] é escrito em uma e somente uma das formas
[tex]n=2k[/tex] ou [tex]n=2k+1[/tex], sendo [tex]k[/tex] um número natural.
● Se [tex]n[/tex] é um número natural par, então [tex]n[/tex] é da forma [tex]n=2k[/tex], com [tex]k[/tex] um número natural.
● Se [tex]n[/tex] é um número natural ímpar, então [tex]n[/tex] é da forma [tex]n=2k+1[/tex], com [tex]k[/tex] um número natural.
● Se [tex]n[/tex] é da forma [tex]n=2k[/tex], com [tex]k[/tex] um número natural, então [tex]n[/tex] é um número natural par.
● Se [tex]n[/tex] é da forma [tex]n=2k+1[/tex], com [tex]k[/tex] um número natural, então [tex]n[/tex] é um número natural ímpar.
Percebam que as formas [tex]n=2k \, [/tex] e [tex] \, n=2k+1[/tex] mostram claramente as ideias pitagóricas de que “par é o número que pode ser dividido em duas partes iguais, sem que uma unidade fique no meio“, e “ímpar é o número que não pode ser dividido em duas partes iguais, porque sempre há uma unidade no meio“.
Os números pares e ímpares têm um comportamento bastante peculiar com relação às operações definidas no conjunto dos números naturais: adição e multiplicação.
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Paridade em [tex]\mathbb{N}[/tex] e sua aritmética
Observem que, no box anterior, mais do que mostrar que
● [tex]n[/tex] é um número natural par se, e somente se, [tex]n=2k[/tex], para algum número natural [tex]k[/tex];
● [tex]n[/tex] é um número natural ímpar se, e somente se, [tex]n=2k+1[/tex], para algum número natural [tex]k[/tex];
mostramos que todo número natural assume uma e apenas uma destas formas: [tex]n=2k[/tex] ; [tex]n=2k+1[/tex], com [tex]k\in\mathbb{N}[/tex]. Dessa maneira, temos que:
[tex]\qquad\qquad\boxed{\mathbb{N}= \mathbb{P} \cup \mathbb{I}}[/tex], com [tex]\boxed{\mathbb{P} \cap \mathbb{I}=\emptyset}[/tex].
Devido a essas duas características, podemos utilizar linguagem matemática específica da Teoria de Conjuntos e dizer que [tex]\{\mathbb{P} \, ; \, \mathbb{I} \}[/tex] é uma partição de [tex]\mathbb{N}[/tex]. Na prática isso significa que, dado um número natural [tex]x[/tex], [tex]x[/tex] é par ou [tex]x[/tex] é ímpar e somente uma dessas duas opções.
Assim, faz sentido a discussão que apresentaremos a seguir.
Paridade
Definição:
● Dizemos que um número natural par tem paridade par.
● Dizemos que um número natural ímpar tem paridade ímpar .
● Dizemos que dois números naturais têm a mesma paridade se ambos forem pares ou ambos forem ímpares.
● Dizemos que dois números naturais têm paridade oposta se um for par e o outro for ímpar.
A definição de paridade deixa evidente que, antes de determinarmos se dois números naturais têm ou não a mesma paridade, é necessário saber se cada um dos números é par ou ímpar. Para isso, podemos utilizar uma propriedade bastante conhecida que nos permite determinar se um número natural qualquer é par ou ímpar, sem que façamos a divisão desse número por [tex]2[/tex]: o critério de divisibilidade por [tex]2[/tex].
Decidindo a paridade de um número natural
Seja [tex]n[/tex] um número natural.
• [tex]n[/tex] é par quando a sua representação decimal terminar em [tex]0, \, 2, \, 4, \, 6 \, [/tex] ou [tex] \, 8[/tex];
• [tex]n[/tex] é ímpar quando a sua representação decimal terminar em [tex]1, \, 3, \, 5, \, 7 \, [/tex] ou [tex] \, 9[/tex].
Agora ficou fácil, não é?
Por maiores que sejam os números naturais [tex]a \, [/tex] e [tex] \, b[/tex], para sabermos se esses números têm ou não a mesma paridade, basta observarmos os algarismos da unidade de suas respectivas representações decimais e aplicarmos o critério acima. Assim, por exemplo,
● [tex]a=12987523[/tex] e [tex]b=89635745[/tex] têm a mesma paridade, já que ambos são ímpares ([tex]a[/tex] termina em [tex]3[/tex] e [tex]b[/tex] termina em [tex]5[/tex]);
● [tex]a=89635871264596321786320[/tex] e [tex]b=2598745369362531162223654[/tex] têm a mesma paridade, já que ambos são pares ([tex]a[/tex] termina em [tex]0[/tex] e [tex]b[/tex] termina em [tex]4[/tex]);
● [tex]a=98636689878885021002547[/tex] e [tex]b=5983265936669854478963243958[/tex] têm paridade oposta, já que [tex]a[/tex] é ímpar e [tex]b[/tex] é par ([tex]a[/tex] termina em [tex]7[/tex] e [tex]b[/tex] termina em [tex]8[/tex]).
A partir da paridade de dois números naturais, podemos determinar a paridade da soma e do produto desses números, sem sequer conhecê-los. Essas são características que ajudam na solução de vários problemas, então vale a pena conhecê-las.
Aritmética da paridade
Propriedade 1 (Paridade da soma): (a) A soma de dois números naturais de mesma paridade é par. (b) A soma de dois números naturais de paridade oposta é ímpar. |
Propriedade 2 (Paridade do produto): |
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Podemos utilizar essas duas propriedades para obter outras igualmente interessantes e importantes. Se você quiser resolver problemas sobre a aritmética da paridade, é só clicar [tex] \, \fcolorbox{#77ae52}{#77ae52}{AQUI} \, [/tex].
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As duas formas obtidas, [tex]n=2k[/tex] e [tex]n=2k+1[/tex], produzem números inteiros, se [tex]k[/tex] for um número inteiro. Então vamos utilizá-las na generalização dos conceitos de par e ímpar no conjunto dos números inteiros.
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Estendendo o conceito de paridade
Se tomarmos o conjunto dos naturais pares e acrescentarmos para cada número par o seu respectivo oposto obteremos o seguinte subconjunto dos inteiros:
[tex]\qquad\qquad \{0, \, 2, \, 4, \, 6, \, 8, \, \cdots \, \}\longrightarrow \{0, \, 2,-2, \, 4,-4, \, 6,-6, \, 8,-8, \, \cdots \, \}[/tex]
que tradicionalmente é escrito como
[tex]\qquad\qquad \{ \, \cdots ,-8,-6,-4,-2, \, 0, \, 2, \, 4, \, 6, \, 8, \, \cdots \, \}[/tex]
e cujos elementos podem ser escritos na forma [tex] \, n=2k[/tex], com [tex]k\in\mathbb{Z}[/tex].
De modo análogo, se ao conjunto dos naturais ímpares acrescentarmos para cada número o seu respectivo oposto obteremos o seguinte subconjunto de [tex]\mathbb{Z}[/tex]:
[tex]\qquad\qquad \{1, \, 3, \, 5, \, 7, \, \cdots \, \}\longrightarrow \{1,-1, \, 3,-3, \, 5,-5, \, 7,-7, \, \cdots \, \}[/tex]
que tradicionalmente é escrito como
[tex]\qquad\qquad \{ \, \cdots ,-7,-5,-3,-1, \, 1, \, 3, \, 5, \, 7, \, \cdots \, \}[/tex]
e cujos elementos podem ser escritos na forma [tex] \, n=2k+1[/tex], com [tex]k\in\mathbb{Z}[/tex].
Os dois conjuntos obtidos serão denominados conjunto dos inteiros pares e conjunto dos inteiros ímpares, respectivamente.
Nesta derradeira discussão, vamos utilizar as seguintes notações para os quatro conjuntos de pares e ímpares:
[tex]\quad \mathbb{P}=\{ \, \cdots ,-8,-6,-4,-2, \, 0, \, 2, \, 4, \, 6, \, 8, \, \cdots \, \}[/tex] (inteiros pares);
[tex]\quad \mathbb{P_\mathbb{N}}=\{0, \, 2, \, 4, \, 6, \, 8, \, \cdots \, \}[/tex] (naturais pares);
[tex]\quad \mathbb{I}=\{ \, \cdots ,-7,-5,-3,-1, \, 1, \, 3, \, 5, \, 7, \, \cdots \, \}[/tex] (inteiros ímpares);
[tex]\quad \mathbb{I_\mathbb{N}}=\{1, \, 3, \, 5, \, 7, \, \cdots \, \}[/tex] (naturais ímpares).
Como:
(1) [tex] \mathbb{P}\subset\mathbb{Z}[/tex];
(2) [tex] \mathbb{I}\subset\mathbb{Z}[/tex];
(3) [tex] \mathbb{P}\cap\mathbb{I}=\emptyset[/tex];
(4) [tex] \mathbb{P}\cup\mathbb{I}=\mathbb{Z}[/tex];
então [tex]\{\mathbb{P} \, ; \, \mathbb{I}\}[/tex] é uma (bi)partição de [tex] \mathbb{Z}[/tex].
Com base no até aqui exposto, em nossas discussões, podemos estender o conceito de paridade e adotar as seguintes definições:
Definições:
● Um número inteiro [tex]m[/tex] é dito par se existir um número inteiro [tex]t[/tex] de modo que [tex]m=2t[/tex].
● Um número inteiro [tex]m[/tex] é dito ímpar se existir um número inteiro [tex]t[/tex] de modo que [tex]m=2t+1[/tex].
● Diremos que os números inteiros (ou naturais) [tex]a \, [/tex] e [tex] \, b[/tex] têm a mesma paridade se forem ambos pares ou ambos ímpares. Caso contrário, dizemos que [tex]a \, [/tex] e [tex] \, b[/tex] têm paridade oposta.
A paridade da soma e a paridade do produto podem, também, ser estendidas para o conjunto dos números inteiros.
As demonstrações dessas propriedades são idênticas às demonstrações feitas nesta página , bastando, apenas, observar que:
● A soma de números inteiros é sempre um número inteiro.
● O produto de números inteiros é sempre um número inteiro.
ou seja, o conjunto dos números inteiros é também fechado com relação à adição e à multiplicação.
Mais do que isso, como em [tex]\mathbb{Z}[/tex] podemos definir diferenças sem restrições e toda diferença de números inteiros pode ser vista como uma soma: [tex]a-b=a+(-b)[/tex], então a diferença em [tex]\mathbb{Z}[/tex] herda as propriedades da paridade da soma dos inteiros.
Que tal vocês tentarem demonstrar a paridade da soma, da diferença e do produto de inteiros, fazendo as devidas adaptações nas demonstrações feitas nesta página? |
É surpreendente como, utilizando apenas o conceito e propriedades simples
de paridade, podemos resolver problemas interessantes e não rotineiros.
Vejam alguns deles clicando no botão abaixo.
Equipe COM – OBMEP
Fevereiro de 2016.
✓ BOYER, C. B., História da Matemática. São Paulo: Edgard Blücher, 1974.
✓ DOMINGUES, H. H., Fundamentos de Aritmética. São Paulo: Atual Editora, 1991.
✓ FOMIN, D; GENKIN, S.; ITENBERG, I., Círculos Matemáticos. Rio de Janeiro: IMPA, 2010.
✓ PATERLINI, R. R., Aritmética dos números inteiros. (Último acesso em 20/06/20).
✓ SAMPAIO, J.C.V.; CAETANO, P.A.S., Introdução à Teoria dos Números – Um curso breve. São Carlos: EDUFScar, 2008.