3.Um pouco sobre a linguagem matemática – Sala 2: Fórmulas proposicionais

A linguagem matemática

Fórmulas proposicionais


Na Sala 1 vimos que, a partir de proposições conhecidas, podemos escrever novas proposições utilizando os conectivos [tex]\sim[/tex], [tex] \land[/tex], [tex]\lor[/tex], [tex]\rightarrow[/tex], [tex]\longleftrightarrow[/tex], e que a verdade ou a falsidade dessas novas proposições ficam definidas, de acordo com a tabela abaixo.

[tex]\begin{array}{cc|c|c|c|c|c}
p & q &\sim p&p \land q & p \lor q & p \rightarrow q & p\longleftrightarrow q\\
\hline
V&V&F&V&V&V&V\\
V&F&F&F&V&F&F\\
F&V&V&F&V&V&F\\
F&F&V&F&F&V&V\\
\end{array}[/tex]

A expressão “valor lógico” designa a verdade ou a falsidade de uma proposição. Uma proposição verdadeira tem valor lógico verdadeiro (V) e uma proposição falsa tem valor lógico falso (F). O valor lógico de uma proposição [tex]p[/tex] é comumente indicado por [tex]V(p)[/tex].

Particularmente, a proposição

    • “se [tex]4+1=5[/tex], então [tex]19[/tex] é primo”

pode ser representada por [tex]p \rightarrow q[/tex], com

    • [tex]p: \, 4+1=5[/tex] e [tex]q: \, 19[/tex] é primo,

e é uma proposição verdadeira.
No entanto, “[tex]p \rightarrow q[/tex]” também representa as proposições
– “se [tex]3^2=6[/tex], então [tex]5^0=1[/tex]”,
– “se [tex]\pi[/tex] é irracional, então [tex]5[/tex] é divisor de [tex]28[/tex]”,
– “se [tex]91-4=100[/tex], então [tex]\sqrt{16}=2[/tex]”
e uma infinidade de outras proposições.
Assim, se denotarmos duas proposições, sejam elas simples ou compostas, por [tex]p[/tex] e [tex]q[/tex], então [tex]\sim p[/tex], [tex]\sim q[/tex], [tex]p \land q[/tex], [tex]p \lor q[/tex], [tex]p \rightarrow q[/tex] e [tex]p \longleftrightarrow q[/tex] também denotarão proposições e poderão ser classificadas como verdadeiras ou falsas, de acordo com a tabela acima.
No entanto, se [tex]p[/tex] e [tex]q[/tex] representam proposições genéricas, e portanto não sabemos se são verdadeiras ou falsas, então os símbolos
[tex]\qquad\qquad \sim p\quad [/tex], [tex]\quad \sim q \quad [/tex], [tex]\quad p \land q\quad [/tex], [tex]\quad p \lor q\quad [/tex], [tex]\quad p \rightarrow q\quad [/tex] e [tex]\quad p \longleftrightarrow q[/tex]
denotarão proposições, mas não são proposições propriamente ditas.

Você notou a sutileza da observação?

Vamos tentar diferenciar mais formalmente essas duas situações.




Letras e fórmulas proposicionais


Conforme observamos na Sala 1, utilizamos letras latinas minúsculas, indexadas ou não, para representar proposições. Quando uma letra representa uma proposição genérica ela é denominada letra proposicional.

Aplicando conectivos a letras proposicionais obtemos o que denominaremos de fórmulas proposicionais. Sem muito formalismo:

Chamaremos de fórmula proposicional a toda expressão constituída de letras proposicionais e conectivos, de tal forma que, se as letras proposicionais representarem proposições específicas, então obtemos uma única proposição. (Utilizaremos letras latinas maiúsculas para nomear fórmulas proposicionais.)

Assim, se [tex]p[/tex] e [tex]q[/tex] são letras proposicionais, então as expressões [tex]\sim p[/tex] , [tex]\sim q[/tex] , [tex]p \land q[/tex] , [tex]p \lor q[/tex] , [tex]p \rightarrow q[/tex] e [tex]p \longleftrightarrow q[/tex] são exemplos de fórmulas proposicionais e podem ser assim nomeadas:
[tex]\ \qquad \qquad A:\sim p\quad [/tex] ; [tex]\quad B:\sim q\quad [/tex] ; [tex]\quad C:p \land q\quad [/tex] ; [tex]\quad D:p \lor q\quad [/tex] ; [tex]\quad P:p \rightarrow q\quad [/tex] e [tex]\quad Q:p \longleftrightarrow q[/tex].

Exemplo: Considere a fórmula proposicional [tex]p \rightarrow q \lor r[/tex].

(a) Se aplicarmos essa fórmula às proposições
[tex]\quad p: \, 3[/tex] é par (F)
[tex]\quad q: \, 7[/tex] é primo (V)
[tex]\quad r: \, 4[/tex] é par (V)
obtemos a proposição verdadeira
[tex]p \rightarrow q \lor r:[/tex] Se [tex]3[/tex] é par, então [tex]7[/tex] é primo ou [tex]4[/tex] é par.
Não conseguiu ver a verdade da proposição resultante?

[tex]p \rightarrow q \lor r[/tex]
[tex]F \rightarrow V \lor V[/tex]
[tex]F \rightarrow (V \lor V)[/tex]
[tex]F \rightarrow V[/tex]
[tex]V[/tex]
(b) Se aplicarmos essa fórmula às proposições
[tex]\quad p: \, 2+6=8[/tex] (V)
[tex]\quad q: \, 5^0=0[/tex] (F)
[tex]\quad r: \, \sqrt{4}=-2[/tex] (F)
obtemos a proposição falsa
[tex]p \rightarrow q \lor r:[/tex] Se [tex]2+6=8[/tex], então [tex]5^0=0[/tex] ou [tex]\sqrt{4}=-2[/tex].
Não conseguiu ver a falsidade da proposição resultante?

[tex]p \rightarrow q \lor r[/tex]
[tex]V \rightarrow F \lor F[/tex]
[tex]V \rightarrow (F \lor F)[/tex]
[tex]V \rightarrow F[/tex]
[tex]F[/tex]

Exemplo: Considere a fórmula proposicional [tex]p_1 \land p_2 \longleftrightarrow p_3[/tex].

(a) Se aplicarmos essa fórmula às proposições
[tex]\quad p_1: \, \sqrt{2}[/tex] é racional (F)
[tex]\quad p_2: \, 2 \lt 6[/tex] (V)
[tex]\quad p_3: \, 9[/tex] é primo (F)
obtemos a proposição verdadeira

[tex]\sqrt{2}[/tex] é racional e [tex]2 \lt 6[/tex] se e somente se [tex]9[/tex] é primo.

Não conseguiu ver a verdade da proposição resultante?

[tex]p_1 \land p_2 \longleftrightarrow p_3[/tex]
[tex]F \land V \longleftrightarrow F[/tex]
[tex](F \land V )\longleftrightarrow F[/tex]
[tex]F\longleftrightarrow F[/tex]
[tex]V[/tex]
(b) Se aplicarmos essa fórmula às proposições
[tex]\quad p_1: \, 2+6=8[/tex] (V)
[tex]\quad p_2: \, 5^0=0[/tex] (F)
[tex]\quad p_3: \, \sqrt{4}=2[/tex] (V)
obtemos a proposição falsa

[tex]2+6=8[/tex] e [tex]5^0=0[/tex] se e somente se [tex]\sqrt{4}=2[/tex].

Não conseguiu ver a falsidade da proposição resultante?

[tex]p_1 \land p_2 \longleftrightarrow p_3[/tex]
[tex]V \land F \longleftrightarrow V[/tex]
[tex](V \land F )\longleftrightarrow V[/tex]
[tex]F\longleftrightarrow V[/tex]
[tex]F[/tex]





Tabelas-verdade


Uma fórmula proposicional não tem um valor lógico verdadeiro ou falso, já que uma fórmula representa infinitas proposições. Mas é absolutamente previsível quando essa fórmula vai definir uma proposição final verdadeira ou falsa. Para isso, basta listarmos todas as possibilidades de valores lógicos para as letras proposicionais que compõem a fórmula em questão e, a partir das tabelinhas da Sala 1 que definem a verdade ou falsidade das proposições definidas a partir dos conectivos [tex]\sim[/tex], [tex] \land[/tex], [tex]\lor[/tex], [tex]\rightarrow[/tex], [tex]\longleftrightarrow[/tex] e da ordem de precedência desses conectivos, determinar as respectivas possibilidades de verdade ou falsidade das proposições resultantes.
Isso pode ser feito em uma tabela, que usualmente é denominada tabela-verdade. Particularmente, as tabelinhas da Sala 1 são as tabelas-verdade relativas às fórmulas proposicionais básicas [tex]\sim p \,[/tex], [tex] \,\sim q \,[/tex], [tex] \,p \land q \,[/tex], [tex] \,p \lor q \,[/tex], [tex] \,p \rightarrow q \,[/tex] e [tex] \,p \longleftrightarrow q \,[/tex].
A palavra "basta" utilizada acima (basta listarmos todas as possibilidades…) é só uma força de expressão, pois uma tabela-verdade pode ser algo monstruoso de grande, já que o Princípio Fundamental da Contagem nos mostra que uma fórmula proposicional definida a partir de [tex]n[/tex] letras proposicionais que representem proposições simples terá uma tabela-verdade com [tex]2^n[/tex] linhas e, dependendo da quantidade de conectivos utilizados, muitas colunas (uma coluna para cada conectivo mais uma coluna para cada letra proposicional).
Não é nosso objetivo ficar construindo tabelas-verdade, precisaremos apenas que vocês saibam o que é uma tabela-verdade para podermos tratar de alguns "enigmas" na próxima sala. Mas, para ninguém ficar triste, faremos dois exemplos: as tabelas-verdade das fórmulas proposicionais dos últimos exemplos.

[tex]\begin{array}{ccc|c|c}
p & q & r & q\lor r &\boxed{p \rightarrow q \lor r}\\
\hline
V&V&V&V&V\\
V&V&F&V&V\\
V&F&V&V&V\\
V&F&F&F&F\\
F&V&V&V&V\\
F&V&F&V&V\\
F&F&V&V&V\\
F&F&F&F&V\\
\end{array}[/tex]
[tex]\begin{array}{ccc|c|c}
p_1 & p_2 & p_3 & p_1\land q_2 & \boxed{p_1 \land p_2 \longleftrightarrow p_3}\\
\hline
V&V&V&V&V\\
V&V&F&V&F\\
V&F&V&F&F\\
V&F&F&F&V\\
F&V&V&F&F\\
F&V&F&F&V\\
F&F&V&F&F\\
F&F&F&F&V\\
\end{array}[/tex]

Observe que, de acordo com a ordem de precedência definida para os conectivos lógicos, a fórmula [tex]p \rightarrow q \lor r[/tex] deve ser interpretada como [tex]p \rightarrow (q \lor r)[/tex] e, a fórmula [tex]p_1 \land p_2 \longleftrightarrow p_3[/tex], como [tex](p_1 \land p_2) \longleftrightarrow p_3[/tex].






Tautologias e contradições


Considere as fórmulas proposicionais [tex]\,\textcolor{red}{p \lor (p \land q) \longleftrightarrow p} \; [/tex] e [tex] \; \textcolor{blue}{(\sim p \land q) \land p}[/tex], e observe suas respectivas tabelas-verdade.

[tex]\begin{array}{cc|c|c}
p & q & p\land q & p \lor (p \land q) & \textcolor{red}{p \lor (p \land q) \longleftrightarrow p}\\
\hline
V&V&V&V&\textcolor{red}{V}\\
V&F&F&V&\textcolor{red}{V}\\
F&V&F&F&\textcolor{red}{V}\\
F&F&F&F&\textcolor{red}{V}\\
\end{array}[/tex]
[tex]\begin{array}{cc|c|c|c}
p & q & \sim p & \sim p\land q & \textcolor{blue}{(\sim p \land q) \land p}\\
\hline
V&V&F&F&\textcolor{blue}{F}\\
V&F&F&F&\textcolor{blue}{F}\\
F&V&V&V&\textcolor{blue}{F}\\
F&F&V&F&\textcolor{blue}{F}\\
\end{array}[/tex]

Essas duas fórmulas são exemplos do que a Lógica chama, respectivamente, de tautologia e de contradição, conforme as próximas definições.

Uma tautologia é uma fórmula proposicional que, ao ser aplicada a quaisquer [tex]n[/tex] proposições representadas pelas suas letras proposicionais, resulta em uma proposição verdadeira.
Uma contradição é uma fórmula proposicional que, ao ser aplicada a quaisquer [tex]n[/tex] proposições representadas pelas suas letras proposicionais, resulta em uma proposição falsa.

Assim, a última coluna da tabela verdade de uma tautologia (ou fórmula tautológica) é constituída apenas por [tex]V[/tex]’s e, a de uma contradição (ou fórmula contraditória), por [tex]F[/tex]’s.
Dois exemplos clássicos – um de tautologia e outro de contradição – são, respectivamente, as fórmulas [tex]\boxed{p \, \lor \sim p}[/tex] e [tex]\boxed{p \, \land \sim p}[/tex].
Observe:

[tex]\begin{array}{c|c}
p & \sim p & \textcolor{red}{p \, \lor \sim p }\\
\hline
V&F&\textcolor{red}{V}\\
F&V&\textcolor{red}{V}\\
\end{array}[/tex]
[tex]\begin{array}{c|c}
p & \sim p & \textcolor{blue}{p \, \land \sim p} \\
\hline
V&F&\textcolor{blue}{F}\\
F&V&\textcolor{blue}{F}\\
\end{array}[/tex]

Não é raro dizermos “considere a proposição tal“, quando, na verdade, tal é uma fórmula proposicional e não uma proposição de fato.
Isso não é relevante, se sabemos que estamos cometendo um abuso de linguagem.



Equipe COM – OBMEP

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