.Sala de Estudo: Estratégias para se compreender um Problema de Matemática

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Estratégias para se compreender um Problema de Matemática


Quais são as estratégias dos bons “resolvedores” de problemas de Matemática?

Pesquisadores de Educação Matemática como George Pólya, Sthephen Krulik, Alan Schoenfeld, Alfred Posamentier entre outros, tentando responder esta pergunta, mapearam em seus estudos um conjunto de estratégias, que chamaram de heurísticas, que todos os bons resolvedores de problemas matemáticos empregam consciente ou inconscientemente em suas tentativas.
É importante ressaltar que não existe um conjunto definitivo contendo todas as estratégias possíveis, o máximo que se pode obter é um conjunto contendo as mais úteis ou mais utilizadas. Isso é uma consequência da extensão e do estado de desenvolvimento contínuo da Matemática; pois, na medida que aparecem novos problemas, é natural que apareçam novas estratégias para abordá-los.
Nesta sala de estudo apresentaremos algumas estratégias que, além de muito utilizadas, possuem exemplos de aplicações bem sucedidas a problemas diversos, tanto em conteúdo quanto em nível de dificuldade.
IMPORTANTE: Devemos deixar claro que estas estratégias podem se mostrar úteis na procura de uma solução para um problema quando não sabemos o que fazer para encontrar tal solução. Quando sabemos exatamente quais ferramentas devemos utilizar, não necessitaremos destas estratégias; podemos fazer uso de uma abordagem mais direta. Além disso, como o conteúdo desta Sala foi planejado para alunos menos experientes com a resolução de problemas, os exercícios são conceitualmente simples, porém bem representativos do poder da estratégia adotada, e as soluções apresentadas serão explicadas com bastantes detalhes.
Antes de iniciarmos o trabalho concreto com os problemas será importante precisarmos o que entendemos por heurísticas no contexto de resolução de problemas. Segundo Alan Schoenfeld, uma heurística é uma sugestão ou estratégia geral, independente de algum tópico particular ou do assunto em questão, que ajude os resolvedores de problemas a abordar e entender um problema e a dirigir eficientemente seus recursos para resolvê-lo. Como a própria definição diz, uma heurística trata-se apenas de uma sugestão ou estratégia na forma de atacar um problema e não de um método infalível que resolva qualquer problema. Tampouco um raciocínio baseado numa heurística se considera final e rigoroso, mas apenas provisório e plausível, e que tem por objetivo descobrir a solução do problema que se apresenta. Como muito bem ressaltado por Schoenfeld, uma heurística ajuda o resolvedor a compreender o problema e desta forma poder encontrar um possível caminho para resolvê-lo.

Hora de pôr as mãos na massa.
Vamos?


Algumas estratégias


💡 Verificação sistemática e inteligente💡

Esta é uma das estratégias mais diretas para se abordar um problema. Consiste essencialmente em verificar as possibilidades de respostas para um problema e encontrar a correta. Mas, como o nome diz, esta verificação deve ser sistemática e inteligente:
Sistemática no sentido de que devemos organizar as verificações a fim de testar todas as possibilidades se necessário e evitar repetir verificações já realizadas.
Inteligente no sentido de que devemos procurar extrair algumas conclusões que possibilitem reduzir o número de verificações que devemos efetuar.
Uma vantagem deste método é que, quando este funciona, o problema está resolvido, não há necessidade de uma prova. A desvantagem é que só é aplicável a problemas que podem ser resolvidos com um número finito de verificações.

Vejamos alguns exemplos.

Exemplo 1. O número [tex]1009[/tex] é um número primo ou um número composto?


Determinar se um número natural é primo ou composto é um dos problemas mais antigos e importantes da Matemática e sua solução é um ótimo exemplo de aplicação da estratégia Verificação Sistemática e Inteligente. O número [tex]1009[/tex] será composto se for divisível por um número natural [tex]d[/tex], [tex]1\lt d\ \lt 1009[/tex]; caso contrário, ele será um número primo. Desta forma, devemos verificar o resultado da divisão de [tex]1009[/tex] por cada um dos números [tex]2, 3, 4, 5, \dots, 1008[/tex]. No final destas [tex]1007[/tex] verificações saberemos se [tex]1009[/tex] é primo ou composto.
Entretanto, algumas observações inteligentes possibilitarão uma drástica redução neste número de verificações.

    Primeiramente, observem que se [tex]d[/tex] for um divisor positivo de [tex]1009,[/tex] então [tex]1009=dq[/tex], com [tex]q\in \mathbb{N}[/tex]. Podemos supor [tex]d\leq q[/tex] (a opção [tex]q\leq d\,[/tex] leva à mesma conclusão) e neste caso:
    [tex]\qquad d\leq q\\
    \qquad d^2\leq dq=1009\\
    \qquad d\leq \sqrt{1009}\approx 31,76. [/tex]
    Isso nos permite concluir que se [tex]1009[/tex] não for primo então pelo menos uma das divisões de [tex]1009[/tex] por [tex]2, 3, 4, 5, \dots, 31[/tex] será exata.
    Agora observem que se [tex]1009[/tex] for divisível por um número natural composto [tex]d[/tex], então também será divisível pelos fatores primos de [tex]d[/tex]. Assim, se [tex]1009[/tex] não for primo será divisível por um número primo [tex]1\leq 31[/tex].

Finalmente, as verificações:
[tex]\qquad 1009=2\cdot 504+1[/tex]
[tex]\qquad 1009=3\cdot 336+1[/tex]
[tex]\qquad 1009=5\cdot 201+4[/tex]
[tex]\qquad 1009=7\cdot 144+1[/tex]
[tex]\qquad 1009=11\cdot 91+8[/tex]
[tex]\qquad 1009=13\cdot 77+8[/tex]
[tex]\qquad 1009=17\cdot 59+6[/tex]
[tex]\qquad 1009=19\cdot 53+2[/tex]
[tex]\qquad 1009=23\cdot 43+20[/tex]
[tex]\qquad 1009=29\cdot 34+23[/tex]
[tex]\qquad 1009=31\cdot 32+17.[/tex]
(Veja como observações inteligentes reduziram o número de verificações!)
Como nenhuma das divisões resultou exata, o número [tex]1009[/tex] é um número primo.

Exemplo 2. (Problem-Solving Strategies for Efficient and Elegant Solutions) Bárbara fez uma prova com [tex]20[/tex] questões. Bárbara ganhou [tex]5[/tex] pontos por cada questão acertada, perdeu [tex]2[/tex] pontos por cada questão errada e não pontuou em questões não respondidas. Bárbara deixou de responder a algumas questões nesta prova e obteve uma pontuação de [tex]44[/tex] pontos. Quantas questões não foram respondidas por Bárbara?

Vejamos como nos saímos em uma tentativa de resolução algébrica. Seja [tex]x[/tex] o número de questões que Bárbara acertou, [tex]y[/tex] o número de questões que Bárbara errou e [tex]z[/tex] o número de questões não respondidas. Com as informações contidas no problema obtemos as equações [tex]\boxed{x+y+z=20}~[/tex] e [tex]~\boxed{5x-2y+0z=44}.[/tex]
Como sabemos que a solução para este sistema deve ser formada por números naturais poderíamos usar algo conhecido como Análise Diofantina para resolvê-las. Mas isso não é assim tão simples.
Então, vejamos como a estratégia de verificação sistemática e inteligente pode nos ajudar. Mas antes de iniciarmos as verificações, devemos fazer algumas observações para tentar eliminar algumas possibilidades, pois existem [tex]231[/tex] triplas [tex](x,y,z)[/tex] de números naturais, tais que [tex]x+y+z=20[/tex] (para conhecer as ferramentas que possibilitaram a obtenção do número [tex]231[/tex] consulte a Sala do nosso Blog sobre Combinação Completa).

    A primeira observação é sobre os valores possíveis para [tex]x[/tex] (escolhemos os valores do número de acertos [tex]x[/tex] devido ao fato de este causar um maior impacto na pontuação obtida na prova).
    Veja que deve ocorrer [tex]x\geq 9[/tex]; pois caso o número de questões acertadas por Bárbara fosse [tex]x\leq 8[/tex], então o total de pontos na prova seria
    [tex]\qquad 5x-2y+0z\leq 5\cdot 8 =40.[/tex]
    Também podemos observar que deve ocorrer [tex]x\lt 13[/tex]; pois, caso [tex]x\geq 13[/tex], então o total de pontos na prova seria
    [tex]\qquad 5x-2y+0z\geq 5\cdot 13 -2\cdot 7=51.[/tex]
    Assim, sabemos que [tex]9\leq x \leq 12[/tex].

Agora podemos iniciar as verificações.

Para [tex]x=9[/tex] a pontuação [tex]P[/tex] da prova será
[tex]\qquad P=45-2y+0z=45-2y[/tex], com [tex]0\leq y\leq 11[/tex].
Fazendo as verificações para os valores possíveis de [tex]y[/tex] obtemos:
[tex]\quad \rhd y=0,~ P=45[/tex]
[tex]\quad \rhd y=1,~ P=43[/tex]
[tex]\quad \rhd y=2, ~P=41.[/tex]
Podemos encerrar as verificações para os outros valores de [tex]y[/tex] quando [tex]x=9[/tex], pois vemos que a pontuação seguirá diminuindo e não obteremos os [tex]44[/tex] pontos.

Para [tex]x=10[/tex] a pontuação [tex]P[/tex] da prova será
[tex]\qquad P=50-2y+0z=50-2y[/tex], com [tex]0\leq y\leq 10[/tex].
Fazendo as verificações para os valores possíveis de [tex]y[/tex] obtemos:
[tex]\quad \rhd y=0,~ P=50[/tex]
[tex]\quad \rhd y=1,~ P=48[/tex]
[tex]\quad \rhd y=2,~ P=46[/tex]
[tex]\quad \textcolor{#0000FF}{\rhd y=3,~P=44}[/tex]
[tex]\quad \rhd y=4,~ P=42.[/tex]
Também podemos encerrar as verificações para os outros valores de [tex]y[/tex] quando [tex]x=10[/tex], pois vemos que a pontuação seguirá diminuindo e não obteremos os [tex]44[/tex] pontos para outros valores de [tex]y[/tex].
Observem que já obtivemos uma solução [tex]x=10[/tex], [tex]y=3[/tex] e [tex]z=7[/tex], ou seja, [tex]10[/tex] acertos, [tex]3 [/tex] erros e [tex]7[/tex] questões não respondidas. Mas vamos verificar se existem outras soluções para as outras escolhas de [tex]x[/tex].

Para [tex]x=11[/tex] a pontuação [tex]P[/tex] da prova será [tex]P=55-2y+0z=55-2y[/tex], com [tex]0\leq y\leq 9[/tex]. Fazendo as verificações para os valores possíveis de [tex]y[/tex] obtemos:
[tex]\quad \rhd y=0,~ P=55[/tex]
[tex]\quad \rhd y=1, ~P=53[/tex]
[tex]\quad \rhd y=2, ~P=51[/tex]
[tex]\quad \rhd y=3, ~P=49[/tex]
[tex]\quad \rhd y=4,~ P=47[/tex]
[tex]\quad \rhd y=5, ~P=45[/tex]
[tex]\quad \rhd y=6, ~P=43.[/tex]
Também podemos encerrar as verificações para os outros valores de [tex]y[/tex] quando [tex]x=10[/tex].

Para [tex]x=12[/tex] a pontuação [tex]P[/tex] da prova será [tex]P=60-2y+0z=60-2y[/tex], com [tex]0\leq y\leq 8[/tex]. Fazendo as verificações para os valores possíveis de [tex]y[/tex] obtemos:
[tex]\quad \rhd y=0, ~ P=60[/tex]
[tex]\quad \rhd y=1,~ P=58[/tex]
[tex]\quad \rhd y=2,~ P=56[/tex]
[tex]\quad \rhd y=3,~ P=54[/tex]
[tex]\quad \rhd y=4, ~P=52[/tex]
[tex]\quad \rhd y=5,~ P=50[/tex]
[tex]\quad \rhd y=6, ~P=48[/tex]
[tex]\quad \rhd y=7,~ P=46[/tex]
[tex]\quad \textcolor{#0000FF}{\rhd y=8,~ P=44}.[/tex]
Observem que, embora [tex]x=12[/tex], [tex]y=8[/tex] e [tex]z=0[/tex] seja uma solução matematicamente possível para nosso problema, ela deve ser descartada pois o enunciado do problema nos informa que Bárbara não respondeu a algumas das questões.
Portanto, Bárbara deixou de responder [tex]7[/tex] questões da prova.

É importante ressaltar que existem mais algumas observações sobre paridade que podem reduzir ainda mais o número de verificações necessárias.
Por exemplo, quando [tex]x=11[/tex] a pontuação é [tex]55-2y[/tex]. As substituições de [tex]y[/tex] por valores naturais sempre resultarão em números ímpares e, desta maneira, jamais obteremos a pontuação de [tex]44[/tex] pontos. A verificação sistemática e inteligente que fizemos poderia ter sido ainda mais inteligente!

Exemplo 3. (A Resolução de Problemas na Matemática Escolar) Disponha os algarismos de [tex]1[/tex] a [tex]9[/tex], sem repetições, no triângulo apresentado na figura, de tal forma que a soma de cada lado seja [tex]17[/tex].

Este é um problema que pode ser resolvido de forma bem eficiente com a estratégia verificação sistemática e inteligente.
Antes de começarmos a efetuar tentativas, devemos tentar chegar a algumas conclusões que podem reduzir o número de verificações necessárias. Assim, sejam [tex]a, b, c, \dots, i[/tex] os algarismos que irão preencher o triângulo.

Observe que
[tex]\quad (a+b+c+d)+(d+e+f+g) +(g+h+i+a)=17+17+17\\
\quad (a+b+c+d)+(d+e+f+g) +(g+h+i+a)=51.[/tex]
Reagrupando alguns termos, podemos reescrever esta equação como
[tex]\quad (a+b+c+d+e+f+g+h+i)+a+d+g=51.[/tex]
Como [tex]a+b+c+d+e+f+g+h+i=45[/tex], pois essa é a soma de todos os algarismos, segue que:
[tex]\quad 45+a+d+g=51[/tex]
[tex]\quad a+d+g=6.[/tex]
Isso nos mostra que a soma dos algarismos que ocuparão os vértices deve ser [tex]6[/tex]. Assim, como não podemos repetir algarismos, uma escolha plausível é [tex]a=1[/tex], [tex]d=2[/tex] e [tex]g=3[/tex], nesta ordem ou em outra qualquer.

Agora que reduzimos bastante o número de possibilidades, podemos iniciar as verificações.
Devemos escolher no conjunto [tex]\{4, 5, 6, 7, 8, 9\}[/tex] os algarismos [tex]b, c, e, f, h, i[/tex], sem repetições, tais que:
[tex]\qquad \qquad b+c=14\qquad [/tex];[tex]\qquad e+f=12\qquad [/tex]; [tex]\qquad d+i=13.[/tex]
Vamos lá:
[tex]\quad \rhd[/tex] Se [tex]b=4[/tex], pela primeira equação devemos ter [tex]c=10[/tex]. Isto é impossível, pois [tex]10[/tex] não é um algarismo.
[tex]\quad \rhd[/tex] Se [tex]b=5[/tex], pela primeira equação devemos ter [tex]c=9[/tex]. Vamos escolher [tex]e=4[/tex]. Pela segunda equação devemos ter [tex]f=8[/tex]. Finalmente vamos escolher [tex]h=6[/tex] e, pela terceira equação, temos [tex]i=7[/tex].
Desta maneira, obtivemos a solução [tex]~\fcolorbox{black}{#d3cbc0}{$\,a=1,\, b=5,\, c=9,\, d=2,\, e=4,\, f=8,\, g=3,\, h=6,\, i=7\,$}\,.[/tex]

Vale observar que a solução foi obtida já na segunda verificação devido ao fato de existirem muitas soluções. O leitor está convidado a verificar as outras escolhas ([tex]b=6[/tex], [tex]b=7[/tex], [tex]b=8[/tex] ou [tex]b=9[/tex]) e encontrar mais soluções!

Esta heurística é muito útil, principalmente na resolução de problemas que aparentemente não estão relacionados com teoremas conhecidos. É uma ótima forma de iniciar a exploração de um problema, sendo às vezes a mais viável, principalmente se auxiliada por uma calculadora ou um computador. Sem contar o fato de esta estratégia ser a base de inúmeros algoritmos que permeiam toda a Matemática, como o da divisão, o da raiz quadrada, entre outros.



💡 Procura de padrões💡

O matemático e educador Walter W. Sawyer certa vez disse que a Matemática pode ser pensada como a procura de padrões. De fato, muitos problemas desta área são resolvidos com a exploração adequada de padrões. Esta heurística consiste em procurar por alguma regularidade, ou seja, algum padrão relacionado ao problema que estamos abordando que possa ser utilizado na construção de uma solução. Em alguns casos estes padrões estão explícitos no problema em questão, exigindo atenção e experiência do leitor para constatá-los. Já em outros casos, será necessária uma exploração da situação para que certos padrões se revelem. Esta exploração geralmente será feita considerando-se casos particulares do problema. É importante ressaltar que a principal função desta heurística é a de nos direcionar na procura de uma resolução para a questão. Assim, um raciocínio que tenha por base apenas a generalização sem prova de um padrão encontrado não deve ser apresentado como uma prova matemática.

Vejamos alguns exemplos.

Exemplo 4. Encontre o resto da divisão de [tex]7^{100}[/tex] por [tex]8[/tex].


Não seria nada prático resolver esta questão calculando [tex]7^{100}[/tex] e dividindo o resultado por [tex]8[/tex] para encontrar o quociente e o resto. Devemos, então, explorar um pouco este problema na esperança de que alguma regularidade ou padrão se apresente.
Vamos iniciar esta exploração considerando versões do problema que estejam ao nosso alcance:
[tex]\quad \textcolor{blue}{7^1=7=0\cdot 8+7}[/tex]
[tex]\quad \textcolor{red}{7^2=49=6\cdot 8 +1} [/tex]
[tex]\quad \textcolor{blue}{7^3=343=42\cdot 8+7}[/tex]
[tex]\quad \textcolor{red}{7^4=2401=300\cdot 8 +1} [/tex]
[tex]\quad \textcolor{blue}{7^5=16807=2100\cdot 8+7}.[/tex]

Inicialmente apenas sabíamos que os restos das divisões dos números [tex]7^1, 7^2, \dots, 7^{100}[/tex] por [tex]8[/tex] devem ser elementos do conjunto [tex]\{0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7\}[/tex]. Mas como nossa exploração mostrou, parece existir claramente um padrão na distribuição destes restos:
– potências de ordem ímpar deixam resto [tex]7[/tex] e potências de ordem par deixam resto [tex]1[/tex].
Desta forma, este padrão, se persistir, nos indica qual é a solução para este problema. O resto da divisão de [tex]7^{100}[/tex] por [tex]8[/tex] é [tex]1[/tex], já que estamos interessados na centésima potência, que é de ordem par.
Podemos dizer que a heurística procura de padrões desempenhou seu papel com sucesso. Entretanto, devemos ter clareza que ainda temos a necessidade de garantir que este padrão se mantém. Agora que sabemos o que está acontecendo será mais fácil provar que os restos, de fato, se alternam entre [tex]7[/tex] e [tex]1[/tex]. Além disso, este padrão nos indica um caminho para provar este fato: devemos conectar matematicamente os restos de potências sucessivas.

    Suponhamos que uma potência [tex]7^n[/tex] deixa resto [tex]1[/tex] quando dividida por [tex]8[/tex]; assim, existe um número natural [tex]q_1[/tex] tal que [tex]7^n=8q_1+1.[/tex] Calculando a próxima potência, vemos que ela deixa resto [tex]7:[/tex]
    [tex]\qquad 7^{n+1}=7\cdot 7^n=7(8q_1+1)=8\cdot 7q_1+\textcolor{blue}{7}.[/tex]

    Agora, suponhamos que uma potência [tex]7^m[/tex] deixa resto [tex]7[/tex] quando dividida por [tex]8[/tex]; logo existe um número natural [tex]q_2[/tex] tal que
    [tex]7^m=8q_2+7.[/tex] Observando a próxima potência:
    [tex]\qquad 7^{m+1}=7\cdot 7^m=7(8q_2+7)=8\cdot 7q_2+49=8(7q_2+6)+\textcolor{red}{1}[/tex]
    vemos que ela deixa resto [tex]1.[/tex]

Dessa forma, provamos que “o resto da próxima potência de uma potência que deixa resto [tex]7[/tex] deve ser [tex]1[/tex]” e que “o resto da próxima potência de uma potência que deixa resto [tex]1[/tex] deve ser [tex]7[/tex]”.
Isso mostra que esse padrão se manterá até a centésima potência; mais do que isso, será válido para toda potência com expoente natural!

Exemplo 5. (Adaptado de Problem-Solving Strategies for Efficient and Elegant Solutions) Suponha que a sequência de objetos mostrada na figura mantenha o mesmo padrão geométrico na construção dos próximos objetos.
Quantos quadrados pretos existirão no vigésimo objeto?

Nesta questão devemos procurar por uma tradução matemática para o padrão de construção dos objetos da figura e, assim, poder usar essa tradução na previsão do número de quadrados pretos do vigésimo objeto.
Como fazemos isso?
Podemos começar explorando alguns casos simples.
\begin{array}{ c | c }
\textrm{ Objeto } & \textrm{Quantidade de quadrados pretos} \\ \hline
\text{Primeiro} & 1 \\
\text{Segundo} & 3 \\
\text{Terceiro} & 7 \\
\text{Quarto} & 11 \\ \hline
\end{array}
A única coisa que constatamos é que o número de quadrados pretos aumenta à medida que a posição do objeto aumenta. Mas isso ainda não é suficiente e, além disso, poderia ter sido constatado apenas observando-se a figura.
Mas como estes números estão aumentando?
Esta pergunta é muito importante e para respondê-la podemos estudar a diferença entre o número de quadrados pretos de objetos de posições vizinhas. Vamos denotar por [tex]a_n[/tex] o número de quadrados pretos do objeto de ordem [tex]n[/tex]. Assim,
[tex]\qquad a_2-a_1=2[/tex]
[tex]\qquad a_3-a_2=4[/tex]
[tex]\qquad a_4-a_3=4.[/tex]
Ainda está difícil uma constatação de qual será o padrão matemático?
Vamos construir mais alguns objetos.

\begin{array}{ c | c | c }
\textrm{Objeto} & \textrm{Quantidade de quadrados pretos} & a_n-a_{n-1} \\ \hline
\text{Primeiro} & 1 & \\
\text{Segundo} & 3 & 2 \\
\text{Terceiro} & 7 & 4\\
\text{Quarto} & 11 & 4\\
\text{Quinto} & 17 & 6\\
\text{Sexto} & 23 & 6\\ \hline
\end{array}

Neste ponto ou após a construção dos próximos objetos podemos arriscar e dizer que as diferenças entre os números de quadrados pretos formam a sequência [tex]\boxed{2, 4, 4, 6, 6, 8, 8, 10, 10, 12, 12, \dots}.[/tex]
Se estivermos corretos, a resposta para nosso problema será:
[tex]a_{20}=(a_{20}-a_{19})+(a_{19}-a_{18})+(a_{18}-a_{17})+\dots+(a_{2}-a_{1})+a_1[/tex]
[tex]a_{20}=1+2+4+4+6+6+8+8+10+10+12+12+14+14+\\
\quad \quad +16+16+18+18+20+20[/tex]
[tex]a_{20}=1+2+4\cdot(2+3+4+5+6+7+8+9+10)\\
a_{20}=3+4\cdot 54=219.[/tex]

Uma vez mais a heurística procura de padrões nos permitiu encontrar a resposta para nosso problema. Mas fez mais do que isso: nos apontou a direção que devemos seguir para justificar com mais rigor lógico essa tradução matemática para o processo de construção dos objetos.

    Como podemos ver nas construções que fizemos, depois do segundo objeto, para se obter um objeto a partir do anterior devemos sempre acrescentar duas linhas horizontais (uma em cima e outra em baixo) ao objeto anterior e, além disso, o número de quadrados pretos destas linhas é o mesmo duas vezes seguidas, uma vez quando a linha começa com o quadrinho preto e outra com o quadrinho cinza. Depois as linhas horizontais passam a ter um quadrado preto a mais e se mantêm com o mesmo número de quadrados pretos para a próxima construção e assim sucessivamente. Desta forma, nossa sequência de diferenças era na realidade algo como
    [tex]\qquad (2\cdot 1, 2\cdot 2, 2 \cdot 2, 2 \cdot 3, 2 \cdot 3, \dots[/tex]),
    com o fator comum [tex]2[/tex] expressando o fato de serem duas linhas horizontais. Claro que poderíamos ter visto diretamente esse processo (ou outro) de construção. Mas a heurística procura de padrões nos apontou tanto a solução para nosso problema como também uma forma de justificá-la.

Exemplo 6. (Adaptado de Problem Solving in Mathematics) O canguru Sam pode saltar apenas para a frente de duas formas diferentes: um salto com uma unidade de comprimento e um salto com duas unidades de comprimento.
De quantas formas diferentes Sam conseguirá saltar uma distância com [tex]10[/tex] unidades de comprimento?

Mais uma vez, vamos iniciar explorando algumas situações mais simples com a expectativa de encontrar alguma regularidade ou padrão que possa nos ajudar.

[tex]\rhd[/tex] Caso Sam tivesse que saltar uma distância com [tex]1[/tex] unidade de comprimento ele teria apenas [tex]1[/tex] forma de fazê-lo.
[tex]\rhd[/tex] Distância com [tex]2[/tex] unidades de comprimento:
Neste caso ele poderá saltar de duas formas diferentes:
[tex]\qquad 2=2[/tex]
[tex]\qquad 2=1+1.[/tex]
[tex]\rhd[/tex] Distância com [tex]3[/tex] unidades de comprimento:
Neste caso ele poderá saltar de [tex]3[/tex] formas diferentes:
[tex]\qquad 3=2+1[/tex]
[tex]\qquad 3=1+1+1[/tex]
[tex]\qquad 3=1+2.[/tex]
[tex]\rhd[/tex] Distância com [tex]4[/tex] unidades de comprimento:
Neste caso ele poderá saltar de [tex]5[/tex] formas diferentes:
[tex]\qquad 4=2+2[/tex]
[tex]\qquad 4=2+1+1[/tex]
[tex]\qquad 4=1+1+1+1[/tex]
[tex]\qquad 4=1+2+1[/tex]
[tex]\qquad 4=1+1+2.[/tex]
[tex]\rhd[/tex] Distância com [tex]5[/tex] unidades de comprimento:
Neste caso ele poderá saltar de [tex]8[/tex] formas diferentes:
[tex]\qquad 5=2+1+1+1[/tex]
[tex]\qquad 5=2+2+1[/tex]
[tex]\qquad 5=2+1+2[/tex]
[tex]\qquad 5=1+1+1+1+1[/tex]
[tex]\qquad 5=1+2+1+1[/tex]
[tex]\qquad 5=1+1+2+1[/tex]
[tex]\qquad 5=1+1+1+2[/tex]
[tex]\qquad 5=1+2+2.[/tex]

Denotando por [tex] f_n[/tex] o número de formas diferentes que Sam pode saltar uma distância com [tex]n[/tex] unidades de comprimento, podemos resumir nossas observações na seguinte tabela:
\begin{array}{ c | c }
~~n~~ & ~~f_n~~ \\ \hline
1 & 1 \\
2 & 2 \\
3 & 3 \\
4 & 5 \\
5 & 8 \\ \hline
\end{array}
Devemos, então, tentar encontrar alguma regularidade na sequência numérica [tex](1,2,3,5, 8, \dots, f_n, \dots)[/tex].
Assim como fizemos no exemplo anterior, podemos observar como se comportam os números [tex]f_n-f_{n-1}[/tex]:
\begin{array}{ c | c | c }
~~n~~ & ~~ f_n ~~& ~~f_n-f_{n-1}~~\\ \hline
1 & 1 \\
2 & 2 & 1 \\
3 & 3 & 1\\
4 & 5 & 2\\
5 & 8 & 3\\ \hline \end{array}
Vemos que faz algum sentido dizer que, talvez, [tex]f_n-f_{n-1}=f_{n-2}~[/tex], ou seja, que [tex]~\boxed{f_{n-2}+f_{n-1}=f_n}.[/tex]
Se necessário podemos calcular mais alguns termos para reforçar ou descartar esse padrão. Verificando todas as formas que Sam pode saltar uma distância com [tex]6[/tex] unidades de comprimento encontramos [tex]f_6=13=8+5=f_5+f_4[/tex].
Parece que estamos no caminho correto…
Caso esse padrão se mantenha, podemos calcular de quantas formas Sam poderá saltar um comprimento com [tex]10[/tex] unidades:
[tex]\qquad f_7=f_6+f_5=13+8=21[/tex]
[tex]\qquad f_8=f_7+f_6=21+13=34[/tex]
[tex]\qquad f_9=f_8+f_7=34+21=55[/tex]
[tex]\qquad f_{10}=f_9+f_8=55+34=89.[/tex]

Assim, Sam poderá saltar esse comprimento de [tex]89[/tex] formas diferentes.

    Como já sabemos, devemos justificar com mais rigor esse padrão que encontramos. Mas agora tudo está mais claro: devemos tentar encontrar uma conexão entre um termo e seus dois antecessores imediatos.
    Uma forma de conseguir provar que nosso padrão está correto é observando que o conjunto das formas diferentes [tex]f_n[/tex] em que Sam pode saltar a distância [tex]n[/tex] pode ser dividido em dois conjuntos: no primeiro se encontram todas as formas em que Sam inicia com um salto de [tex]2[/tex] unidades e, no segundo, se encontram todas as formas em que Sam inicia com um salto de [tex]1[/tex] unidade.
    O número de elementos do primeiro conjunto será precisamente [tex]f_{n-2}[/tex], uma vez que Sam deverá saltar as [tex]n-2[/tex] unidades de comprimento restantes e, como definimos, o número de formas de Sam realizar esse salto é [tex]f_{n-2}.[/tex]
    Já o número de elementos do segundo conjunto será precisamente [tex]f_{n-1}[/tex], uma vez que Sam deverá saltar as [tex]n-1[/tex] unidades de comprimento restantes, e ele faz isso de [tex]f_{n-1}[/tex] maneiras diferentes.
    Logo, [tex]\boxed{f_n=f_{n-1}+f_{n-2}}[/tex], de fato.

Observe que, com a fórmula [tex]~f_n=f_{n-1}+f_{n-2}~[/tex] e o conhecimento de [tex]f_1~[/tex] e [tex]~f_2[/tex], podemos obter todos os termos da sequência [tex]f_n[/tex]. Esta forma de definir uma sequência é conhecida como definição por recorrência. Caso queira ver algumas aplicações desta ferramenta acesse esta Sala do nosso Blog.



💡 Procura de invariantes💡

Esta heurística é muito poderosa. Como o próprio nome sugere, esta estratégia consiste em procurar por alguma propriedade que não se altera. A ideia principal nesta técnica é a seguinte:

    Temos uma situação inicial e são permitidas algumas operações que alteram a situação. Ao encontrar uma propriedade que não se altera quando realizamos estas operações saberemos que todas as situações que não possuem a propriedade invariante não podem ser obtidas a partir da situação inicial.

Um pouco confuso? Alguns exemplos podem ajudar.

Exemplo 7. (Círculos Matemáticos) Os números [tex]1, 2, 3, \dots, 19, 20[/tex] estão escritos em um quadro. Pode-se apagar dois números quaisquer [tex]a[/tex] e [tex]b[/tex] e escrever o novo número [tex]a+b-1[/tex].
Qual número estará no quadro depois de 19 destas operações?


Tentaremos a estratégia da procura de invariantes neste problema.
Observe que, se nossa operação fosse substituir dois números [tex]a[/tex] e [tex]b[/tex] por sua soma [tex]a+b[/tex], seria fácil constatar que a soma dos números existentes no quadro após cada operação se manteria invariante. Mas, com a operação [tex]a+b-1[/tex], diminuímos uma unidade na soma dos números do quadro a cada operação. Algo que também diminui uma unidade a cada operação é a quantidade de números no quadro.
Assim, a diferença entre a soma dos números existentes no quadro e a quantidade deles deve se manter invariante.
Então, seja [tex]X[/tex] a diferença entre “a soma [tex]S[/tex] dos números no quadro” e “a quantidade [tex]n[/tex] de números existentes”; assim, [tex]\boxed{X=S-n}.[/tex]
Este é um invariante associado a este problema e vamos provar isso.

    Suponhamos que, em dado momento, vamos apagar dois números [tex]a[/tex] e [tex]b[/tex] e que antes da operação tínhamos [tex]X=S-n[/tex].
    Depois da operação teremos perdido os números [tex]a[/tex] e [tex]b[/tex] e ganho o número [tex]a+b-1[/tex] e, além disso, a quantidade de números no quadro diminuirá em uma unidade, assim:
    [tex]\qquad X=S-a-b+a+b-1-(n-1)=S-n[/tex]
    e, portanto, [tex]X[/tex] se mantém invariante.

Agora que encontramos um invariante associado ao nosso problema podemos prosseguir.
No início temos
[tex]\qquad X=1+2+3+\dots+20-20=1+2+3+\dots+19=190[/tex]
e, a cada operação a quantidade de números no quadro diminui uma unidade.
Dessa forma, após [tex]19[/tex] operações teremos apenas um número [tex]N[/tex] no quadro. Ainda não sabemos qual é este número, mas sabemos que a quantidade [tex]X[/tex] deve ser constante. Logo, [tex]X=N-1=190[/tex], ou seja, [tex]N=191[/tex].
Uma coisa importante a ser ressaltada neste problema é que existe um número enorme de caminhos para se chegar ao último número no quadro, mas conseguimos provar que todos eles levarão inevitavelmente ao número [tex]191.[/tex]

A procura de invariantes tende a ser útil em problemas em que temos que provar que certa situação é impossível de ocorrer. Vejamos um exemplo desta categoria.

Exemplo 8. (Círculos Matemáticos) Um círculo está dividido em [tex]6[/tex] setores e cada um deles tem um pequeno disco. É permitido mover dois discos quaisquer para setores vizinhos aos ocupados pelos discos naquele momento.
É possível juntar todos os discos em um setor usando tais operações?


Após muitas tentativas começamos a suspeitar que é impossível juntar todos os discos em um setor usando a operação permitida…
Mas como podemos ter certeza que não existe uma maneira incrivelmente inteligente para executar essa tarefa?
Este é o poder da estratégia dos invariantes: podemos garantir que não importa o quão esperta seja a tentativa, ela sempre irá falhar.
Mas como construir um invariante para este problema?
Embora possa parecer artificial a forma como faremos, praticando isso começa a ser natural: vamos numerar os setores do disco da forma mais normal possível, ou seja, de [tex]1[/tex] a [tex]6[/tex] e executar uma tentativa.

Vamos atribuir a cada disco o valor do setor que ele ocupa e denotar por [tex]X[/tex] a soma dos valores de todos os discos em cada situação. Inicialmente temos [tex]X=1+2+3+4+5+6=21[/tex]. Vamos tentar colocar todos os discos, digamos, no setor [tex]2[/tex].

Para esta configuração temos [tex]X=2+2+2+4+5+6=21[/tex].
Continuando…

Para esta configuração temos [tex]X=1+2+2+2+3+5=15[/tex].
Continuando…

Para esta configuração temos [tex]X=2+2+2+2+2+5=15[/tex].
Agora vamos aproximar o último disco.

Para esta configuração temos [tex]X=6+2+2+2+2+3=17[/tex].
Por último

Para esta configuração temos [tex]X=1+2+2+2+2+2=11[/tex]. Isso é o mais próximo que conseguimos. Sempre que tentamos colocar o último disco, outro disco irá sair do setor de número [tex]2[/tex]. Claro, poderíamos tentar algo mais sofisticado, mas parece que sempre iremos regressar a uma situação semelhante a esta. Uma coisa que começa a ficar clara é que todos os valores que já encontramos para [tex]X[/tex] são números ímpares. E esse será nosso invariante, ou seja, o número [tex]X[/tex] será sempre ímpar em cada configuração possível.
Observem que no início [tex]X=21[/tex] é ímpar; e que, em cada operação, quando movemos um disco para um setor vizinho, o valor desse disco muda de paridade (de ímpar para par ou de par para ímpar). Portanto, se movermos dois discos simultaneamente, a paridade da soma de valores dos discos não vai mudar, ou seja, [tex]X[/tex] possui sempre a mesma paridade. Com todos os discos em um setor de número [tex]n[/tex], em que [tex]n[/tex] representa um dos seis setores, teríamos [tex]X=6n[/tex], um número par. Como [tex]X=21[/tex] na situação inicial e as operações não mudam a paridade de [tex]X[/tex], é impossível conseguirmos todos os discos no mesmo setor, não importa quão esperta seja a estratégia empregada.

Exemplo 9. (Adaptado de Círculos Matemáticos) A ilha cromática tem [tex]13[/tex] camaleões cinzas, [tex]15[/tex] camaleões marrons e [tex]17[/tex] camaleões vermelhos. Quando dois camaleões diferentes se encontram, ambos mudam para a cor do terceiro (por exemplo, se um camaleão cinza encontra um marrom, ambos tornam-se vermelhos).
É possível que, depois de alguns encontros, todos os camaleões na ilha estejam na cor vermelha?

Algumas observações sobre a regra que rege a mudança de cor dos camaleões nos permitirão construir um invariante associado à nossa situação na ilha cromática. Observem que o número de camaleões vermelhos pode aumentar em duas unidades (quando um camaleão cinza se encontra com um camaleão marrom) ou diminuir uma unidade (quando um camaleão vermelho se encontra com um camaleão cinza ou marrom). Sempre que o número de camaleões vermelhos aumenta em duas unidades, o número de camaleões cinzas e o número de camaleões marrons diminuem em uma unidade. Isso aumenta ou diminui a diferença entre o número de camaleões vermelhos e camaleões cinzas em três unidades. Quando o número de camaleões vermelhos diminui uma unidade o número de camaleões cinzas também diminui uma unidade (se o camaleão vermelho se encontrar com um da cor cinza) ou aumenta duas unidades (se o camaleão vermelho se encontrar com um da cor marrom). Em qualquer um dos casos a diferença entre o número de camaleões vermelhos e o número de camaleões cinzas se mantém a mesma, aumenta ou diminui três unidades. Assim, consideremos [tex]X[/tex] a diferença entre o número de camaleões vermelhos e o número de camaleões cinzas. Como vimos, [tex]X[/tex] mantém o mesmo valor, aumenta ou diminui em [tex]3[/tex] unidades após cada encontro entre camaleões. Nosso invariante será o resto da divisão de [tex]X[/tex] por [tex]3[/tex]. No início [tex]X=17-13=4[/tex] e esse resto é [tex]1[/tex]. Como [tex]X[/tex] sempre aumenta ou diminui em [tex]3[/tex] unidades, o resto de [tex]X[/tex] por [tex]3[/tex] será sempre [tex]1[/tex]. Para a situação final com todos os [tex]13+15+17=45[/tex] camaleões vermelhos, o valor de [tex]X[/tex] seria [tex]45-0=45[/tex]. Neste caso, o resto da divisão de [tex]X[/tex] na situação final por [tex]3[/tex] é [tex]0[/tex], mas deveria ser igual a [tex]1[/tex]. Assim, nunca será possível existir apenas camaleões vermelhos na ilha cromática.


Alguns Problemas


Problema 1. Sabe-se que uma das raízes da equação [tex]\boxed{n^3+n^2-11132=0}[/tex] é um número natural.
Calcule o valor dessa raiz.

Podemos usar a estratégia da verificação sistemática e inteligente nesta questão.
Uma observação importante que pode reduzir o número de verificações necessárias para se encontrar a solução é a seguinte:

    Quando substituímos [tex]n[/tex] por valores naturais o valor da expressão [tex]n^3+n^2-11132[/tex] aumenta quando os valores de [tex]n[/tex] aumentam e diminuem quando os valores de [tex]n[/tex] diminuem.
    Assim, se para um número natural [tex]n_1[/tex] temos [tex]n_1^3+n_2^2-11132\lt 0[/tex] então nenhum valor de [tex]n[/tex] que seja menor do que [tex]n_1[/tex] poderá ser solução.
    Da mesma forma, se para um número natural [tex]n_2[/tex] temos [tex]n_1^3+n_2^2-11132\gt 0[/tex] então nenhum valor de [tex]n[/tex] que seja maior do que [tex]n_2[/tex] poderá ser solução.

Por exemplo, quando [tex]n=10[/tex], o valor da expressão é [tex]10^3+10^2-11132=1100-11132\lt 0[/tex]. Logo, o valor da raiz deve ser maior do que [tex]10[/tex].
Quando [tex]n=20[/tex], o valor da expressão é [tex]20^3+20^2-11132=8400-11132\lt 0[/tex]. Logo, o valor da raiz deve ser maior do que [tex]20[/tex].
Quando [tex]n=30[/tex], o valor da expressão é [tex]30^3+30^2-11132=27900-11132\gt 0[/tex]. Logo, o valor da raiz deve ser menor do que [tex]30[/tex].
Com esta observação sabemos que devemos verificar no máximo os números naturais entre [tex]20[/tex] e [tex]30[/tex].
Agora, é só fazer essas verificações!

Problema 2. Calcule o valor da raiz cúbica positiva de [tex]6[/tex] com duas casas decimais corretas.

É imediato notar que a parte inteira da raiz cúbica de [tex]6[/tex] é [tex]1[/tex], já que [tex]1^3\lt 6\lt 2^3[/tex].
Assim, a princípio, teríamos que verificar [tex]99[/tex] escolhas para a parte decimal da aproximação, ou seja, todos os números [tex]1,01~;~ 1,02~;~ \dots~;~ 1,98[/tex] e [tex]1,99.[/tex]
Mas podemos reduzir este número de verificações observando que:

    A expressão numérica [tex]x^3[/tex] aumenta quando [tex]x[/tex] aumenta e diminui quando [tex]x[/tex] diminui.

Assim, podemos testar algum valor inicial como, por exemplo, [tex]x=1,50.[/tex]
Quando [tex]x=1,50[/tex], temos que [tex]1,5^3=3,375\lt 6[/tex] e com isso eliminamos [tex]50[/tex] verificações, já que todos os valores de [tex]x[/tex] menores do que [tex]1,50[/tex] também serão menores do que [tex]3,375[/tex] quando elevados ao cubo.
Podemos, então, escolher [tex]x=1,75[/tex].
Continue neste caminho…

Problema 3. (Problem-Solving Strategies for Efficient and Elegant Solutions) Evelyn possui [tex]5[/tex] caixas de maçãs. Pesando-se duas caixas de cada vez, Evelyn obtém os seguintes pesos, em kg:
[tex]110~;~ 112~;~ 113~;~ 114~;~ 115~;~ 116~;~ 117~;~118~;~ 120~;~ 121.[/tex]
Calcule os pesos de cada uma das caixas de maçãs.

Aparentemente teremos muitas verificações para realizar com a estratégia da verificação sistemática e inteligente. Entretanto, algumas observações podem reduzir a quantidade de verificações. Vamos denotar por [tex]x_1, x_2, x_3, x_4[/tex] e [tex]x_5[/tex] os pesos das caixas ordenados do menor para o maior.
A primeira destas observações é que os pesos das caixas são números diferentes, pois não temos nenhum número repetido nas pesagens de Evelyn.
(i) Uma observação importante é que cada um dos pesos das caixas participa da composição de [tex]4[/tex] dos [tex]10[/tex] pesos obtidos por Evelyn. Por exemplo, o [tex]x_1[/tex] participa dos pesos [tex]x_1+x_2~,~ x_1+x_3~,~ x_1+x_4~,~ x_1+x_5.[/tex]
Assim, segue que:
[tex]~ 110+112+ 113+ 114+ 115+ 116+ 117+ 118+ 120+ 121=4\cdot (x_1+x_2+x_3+x_4+x_5)\\
~ 1156=4\cdot (x_1+x_2+x_3+x_4+x_5)\\
~ 289=x_1+x_2+x_3+x_4+x_5.[/tex]

(ii) Observe também que, como os pesos estão ordenados de forma crescente, então [tex]\boxed{x_1+x_2=110}~[/tex] e [tex]~\boxed{x_4+x_5=121}.[/tex]
Substituindo essas informações na equação [tex]x_1+x_2+x_3+x_4+x_5=289[/tex], obtemos [tex]~x_3=\fcolorbox{black}{#d3cbc0}{58}\,.[/tex]
Agora, veja que [tex]x_1\lt x_2\lt 58[/tex], [tex]x_1\neq x_2[/tex] e [tex]x_1+x_2=110[/tex]. Assim, as únicas possibilidades de valores são “[tex]x_1=53[/tex] e [tex]x_2=57[/tex]” ou “[tex]x_1=54[/tex] e [tex]x_2=56[/tex]”.
Com um raciocínio análogo concluímos que as únicas possibilidades de valores para [tex]x_4[/tex] e [tex]x_5[/tex] são [tex]x_4=59[/tex] e [tex]x_5=62[/tex] ou [tex]x_4=60[/tex] e [tex]x_5=61.[/tex]
Faça alguns testes e encontre os pesos de cada uma das caixas.

Problema 4. (Problem-Solving Strategies for Efficient and Elegant Solutions) Encontre as soluções positivas da equação
\begin{align}
\dfrac{x}{4}+\dfrac{y}{5}&=\dfrac{19}{20}.\\
\end{align}

Existem técnicas de uma área conhecida como Análise Diofantina que resolvem esse tipo de equação. Entretanto, este exemplo pode ser resolvido de forma bem eficiente com a estratégia da verificação sistemática e inteligente.
Observe que podemos reescrever a igualdade como [tex]\boxed{y=\dfrac{19-5x}{4}}.[/tex]
E como [tex]x[/tex] e [tex]y[/tex] são positivos constatamos que os únicos valores inteiros positivos para [tex]x[/tex] que mantêm [tex]y[/tex] positivo são [tex]x=1[/tex], [tex]x=2[/tex] e [tex]x=3[/tex].
Basta verificar para qual destes valores encontramos um valor de [tex]y[/tex] inteiro.

Problema 5. (Adaptado de Problem-Solving Strategies for Efficient and Elegant Solutions) Lucy possui [tex]20[/tex] doces. Ela e suas duas irmãs querem dividir os doces de tal forma que cada uma receba pelo menos um doce.
De quantas formas esta divisão pode ser feita?

Existem muitas formas de se resolver esta questão. Mas podemos empregar de forma bem sucedida a estratégia procura de padrões.
Podemos explorar este problema em situações mais simples, que neste caso significa com números menores de doces, por exemplo, [tex]3[/tex] doces, [tex]4[/tex] doces, [tex]5[/tex] doces, e quantos mais forem necessários para se perceber um padrão.
Tente entender como os números que representam o número de maneiras de Lucy distribuir os doces estão crescendo.

Problema 6. (Banco de Questões da OBMEP 2010) Uma faixa quadriculada tem 5 quadradinhos de largura e 250 quadradinhos no comprimento. Alguns quadradinhos serão pintados de preto, começando da esquerda, conforme o modelo ilustrado na figura, e continuando com este padrão até chegar ao final da faixa, à direita.
Quantos quadradinhos serão pintados?

É possível identificar um retângulo padrão que se repete por toda a faixa com [tex]5[/tex] linhas e [tex]4[/tex] colunas. Nesse retângulo existem [tex]7[/tex] quadradinhos pintados e [tex]13[/tex] não pintados.

Problema 7. (Problem-Solving Strategies for Efficient and Elegant Solutions) Se continuarmos escrevendo os números de [tex]2[/tex] a [tex]1000[/tex] na tabela, em qual coluna se encontrará o número [tex]1000[/tex]?
\begin{array}{cccccccc}
A & B & C & D & E & F & G & H \\ \hline
& 2 & & 3 & & 4 & & 5 \\
9 & & 8 & & 7 & & 6 & \\
& 10 & & 11 & & 12 & & 13 \\
17 & & 16 & & 15 & & 14 & \\
& 18 & & \dots & & & & \\
~~
\end{array}

Tente encontrar um padrão para os números de cada coluna.
Por exemplo, os números da coluna [tex]C[/tex] parecem ser todos múltiplos de [tex]8[/tex]; já os números da coluna [tex]A[/tex] parecem ser múltiplos de [tex]8[/tex] mais [tex]1[/tex], ou seja, deixam resto [tex]1[/tex] quando divididos por [tex]8.[/tex]
Explique a razão disto ocorrer e use-a para encontrar a coluna do número [tex]1000.[/tex]

Problema 8. (Problem-Solving Strategies for Efficient and Elegant Solutions) Na sequência [tex]1, 3, 2, \dots[/tex] cada termo após os dois primeiros é obtido pegando o anterior e subtraindo dele o termo que o precede.
Por exemplo, para calcular o próximo termo pegamos o anterior a este termo, no caso o [tex]2[/tex], e subtraímos deste termo o que o precede, ou seja, o próximo termo será [tex]2-3=-1[/tex].
Encontre a soma dos primeiros [tex]25[/tex] termos desta sequência.

Construa mais alguns termos desta sequência e um padrão muito claro se apresentará.

Problema 9. (Adaptado de Círculos Matemáticos) Os números [tex]1, 2, 3, \dots, 20[/tex] estão escritos em um quadro. Pode-se apagar dois números quaisquer [tex]a[/tex] e [tex]b[/tex] e escrever o novo número [tex]ab+a+b[/tex].
Qual número estará no quadro depois de [tex]19[/tex] destas operações?

Este problema pode ser resolvido por meio da estratégia dos invariantes.
Tente explorar e compreender este problema em situações simples, por exemplo, quando apenas dois números [tex]a[/tex] e [tex]b[/tex] estão no quadro inicialmente podemos constatar que o último número que estará no quadro é [tex]ab+a+b=(a+1)(b+1)-1[/tex]. No caso de três números [tex]a[/tex], [tex]b[/tex] e [tex]c[/tex] o número final será [tex](a+1)(b+1)(c+1)-1[/tex].

Problema 10. (Adaptado de Círculos Matemáticos) Sete copos estão em uma mesa, todos de cabeça para baixo. É permitido virar quaisquer quatro deles em um movimento.
É possível chegar a uma situação onde todos os copos estão virados para cima?

Explore um pouco este problema com copos reais.
Ficará claro que o número de copos de cabeça para cima é sempre par independentemente das escolhas que fazemos sobre quais quatro copos virar a cada movimento. Prove que de fato a paridade do número de copos para cima é um invariante para este problema.
Use isto para encontrar a resposta para a questão.

Problema 11. (Adaptado de Círculos Matemáticos) Mostre que um tabuleiro de xadrez [tex]8\times 8[/tex] como mostrado na figura

não pode ser coberto, sem sobreposições, por onze peças do tipo 1 e cinco peças do tipo 2.

Observem que o número de quadrinhos pretos cobertos por uma peça do tipo [tex]2[/tex] é sempre ímpar ([tex]1[/tex] ou [tex]3[/tex]), não importa a posição que a colocamos.

Assim, o número de quadrinhos pretos cobertos por [tex]5[/tex] destas peças também será ímpar. Portanto, não importa a maneira que estas [tex]5[/tex] peças sejam distribuídas sobre o tabuleiro, a paridade do número de quadrinhos pretos cobertos por elas se mantém invariante, será sempre ímpar. Faça uma análise semelhante para a quantidade de quadrinhos pretos cobertos pelas [tex]11[/tex] peças do tipo 1. Depois combine suas conclusões com o fato de existirem [tex]32[/tex] (par) quadrinhos pretos no tabuleiro.

Problema 12. (Adaptado de Círculos Matemáticos) O número [tex]2^n[/tex] está escrito em um quadro negro. Calculamos a soma de seus algarismos, depois a soma dos algarismos do resultado e assim por diante, até obtermos um único algarismo. Qual será este algarismo se [tex]n=1989[/tex]?

Encontre um invariante para este problema. Comece explorando valores pequenos de [tex]n[/tex]. Algo que se mantém invariante quando passamos de um número para a soma de seus dígitos é o resto que estes números deixam quando divididos por [tex]9[/tex]. Justifique que o resto por [tex]9[/tex] é de fato um invariante e use isto para encontrar o último dígito no quadro.



Equipe COM – OBMEP

Referências:
[1] FOMIM, D. GENKIN, S. ITENBERG, I. Trad. Valéria de Magalhães Iório. Círculos Matemáticos. Rio de Janeiro: IMPA, 2010.
[2] KRULIK, S. REYS, R. (orgs.). Trad. Hygino Domingues e Olga Corbo. A Resolução de Problemas na Matemática Escolar. São Paulo: Atual, 1997.
[3] OBMEP. Banco de Questões. Rio de Janeiro, 2010.
[4] POLYA, G. Trad. Heitor Lisboa de Araújo. A Arte de Resolver Problemas. Rio de Janeiro: Interciência, 1995.
[5] POSAMENTIER, A. KRULIK, S. Problem Solving in Mathematics. California: Corwin Press, 2009.
[6] POSAMENTIER, A. KRULIK, S. Problem-Solving Strategies for Efficient and Elegant Solutions. California: Corwin Press, 1998.

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