.Sala de Estudos: Equações Diofantinas Lineares

Olá! O meu nome é Guilherme, e eu serei o anfitrião dessa página de estudos! Você já ouviu falar em equações diofantinas? Elas são parte fundamental da álgebra e ocupam um papel importante na história da matemática. Embora específicas, essas equações guardam características que as tornam especialmente interessantes!

Um pouco de História



As equações diofantinas lineares possuem uma história que remonta à antiguidade, contando com o interesse de diferentes civilizações ao longo da história, como babilônios, hindus e chineses. Todos contribuíram de forma significativa para o desenvolvimento desse estudo, embora informalmente. Essas equações receberam uma atenção significativa ao longo do tempo, principalmente por causa do famoso Último Teorema de Fermat e de outras aplicações para a elaboração da teoria dos números. Porém, nenhum nome se destacou tanto quanto Diofanto de Alexandria em contribuições para esse estudo, com sua obra “Arithmetica”. A partir disso, nos perguntamos: quem foi ele? Diofanto foi um brilhante matemático grego do século III d.C. (sugerimos que dê uma olhadinha nesta página de nossa Biblioteca!), o primeiro a estudar sistematicamente equações polinomiais com soluções inteiras. Além de um grande filósofo, é considerado o maior algebrista da história de seu país, sendo por muitos conhecido como “o pai da álgebra”. Isso se deve principalmente pela sua inovação com as notações da mesma, que, pela primeira vez na história, apresentava símbolos na resolução de problemas. Esta sala apresenta esse estudo que foi tão importante para o desenvolvimento da álgebra que conhecemos, de forma didática e objetiva, dotado de teoremas e explicações detalhadas.



Fundamentos das Equações Diofantinas Lineares



Uma equação diofantina linear é qualquer equação da forma
[tex]\qquad a_1x_1+a_2x_2+\cdots +a_nx_n=b,[/tex]
em que [tex]a_1, a_2, \cdots, a_n[/tex] e [tex]b[/tex] são todos coeficientes inteiros, e para a qual se buscam somente soluções inteiras. Aqui, em nosso estudo, nos restringiremos a estudar apenas as equações diofantinas com duas incógnitas, ou seja, o caso em que [tex]n=2.[/tex]

Assim, chamamos de Equação Diofantina Linear de duas incógnitas qualquer equação da forma
[tex]\qquad ax+by=c,[/tex]
onde [tex]a, b[/tex] e [tex]c[/tex] são números inteiros, [tex]a, b\neq 0[/tex], e são de interesse apenas as soluções inteiras.

Uma solução particular para esse tipo de equação é um par de inteiros [tex](x_0,y_0)[/tex] tal que [tex]ax_0+by_0=c[/tex]. Isso pode ser observado no exemplo a seguir:

Exemplo:

Equação Diofantina [tex]2x+3y=5.[/tex]

[tex]\rhd[/tex] Percebe-se facilmente que [tex]2\times 1+3\times 1=5[/tex]. Portanto, afirma-se que o par [tex](1,1)[/tex] é uma solução particular possível.

[tex]\rhd[/tex] Também é de fácil dedução que o par [tex](4,-1)[/tex] é outra solução particular possível, pois [tex]2\times 4+3\times(-1)=5[/tex].

Mas será que todas as equações diofantinas possuem solução? Vejamos o próximo exemplo:

Exemplo:

Equação Diofantina [tex] 4x − 2y = 7.[/tex]

Tal equação diofantina não possui solução, pois a expressão [tex]4x − 2y[/tex] resulta em um número par para quaisquer inteiros [tex]x[/tex] e [tex]y[/tex], e [tex]7[/tex] é um número ímpar. Logo, não existem [tex]x, y \in \mathbb{Z}[/tex] que satisfaçam essa equação.

Sabendo agora que nem toda equação diofantina linear possui solução inteira, algumas perguntas podem ser feitas: “Quais as condições necessárias para que uma equação diofantina admita solução?” “Quantas são essas soluções?”

Para encontrarmos as respostas a esses questionamentos, começaremos enunciando um importante princípio sobre conjuntos de números naturais:

Princípio da Boa Ordenação: O Princípio da Boa Ordenação ou Princípio da Boa Ordem diz que todo subconjunto não-vazio formado por números naturais possui um menor elemento.

Outro resultado simples e importante, cuja demonstração é deixada como exercício, é o seguinte:

Sejam [tex]a[/tex] e [tex]b[/tex] inteiros, com [tex]a\neq 0[/tex] e [tex]b\neq 0[/tex]. Se [tex]d[/tex] é um divisor de [tex]a[/tex] e de [tex]b[/tex], então [tex]d[/tex] é um divisor do [tex]mdc(a,b)[/tex].

Agora, podemos demonstrar um importante teorema:

► Teorema de Bèzout:

Sejam [tex]a[/tex] e [tex]b[/tex] inteiros, com [tex]a\neq 0[/tex] e [tex]b\neq 0[/tex]. Então, existem inteiros [tex]x[/tex] e [tex]y[/tex] tais que [tex]mdc(a,b) = ax + by[/tex].

Dados inteiros [tex]a[/tex] e [tex]b[/tex] como enunciado, considere o conjunto:
[tex]\qquad S = \{ax + by : x,y \in \mathbb{Z} \ \text{e} \ ax + by \gt 0\}.[/tex]

É fácil ver que [tex]|a|\in S[/tex], pois [tex]|a|=a\times 1+b\times 0[/tex] ou [tex]|a|=a\times(- 1)+b\times 0[/tex]. Assim, como [tex]S[/tex] é um subconjunto dos números naturais e é não vazio, o Princípio da boa ordenação permite afirmar que possui um menor elemento, digamos [tex]d = ax_0 + by_0 \gt 0[/tex].

Afirmação: [tex]d=mdc(a,b)[/tex].

De fato, o Algoritmo da Divisão nos diz que existem [tex]q, r \in \mathbb{Z}[/tex] tais que:
[tex]\qquad a = dq + r, \ \text{com} \ 0 \leq r \lt d.[/tex]

Então:
[tex]\qquad r = a − dq = a − (ax_0 + by_0)q = a(1 − qx_0) + b(−qy_0).[/tex]

Ora, se esse valor de [tex]r[/tex] for positivo, então [tex]r\in S[/tex], o que é um absurdo, pois [tex]r\lt d[/tex] e [tex]d[/tex] é o menor elemento de [tex]S[/tex]. Portanto, [tex]r=0[/tex].

Assim, [tex]a = dq[/tex], de onde obtemos [tex]d | a[/tex] (lê-se [tex]d[/tex] divide [tex]a[/tex], ou seja, [tex]d[/tex] é um divisor de [tex]a[/tex]). De modo análogo, prova-se que [tex]d | b[/tex] e, pelo resultado que vimos anteriormente, isso implica que [tex]d | mdc(a,b)[/tex].

Além disso, note que [tex]mdc(a,b)| a[/tex] e [tex]mdc(a,b) | b[/tex], então [tex]mdc(a,b)| (ax + by)[/tex], [tex]\forall x, y \in \mathbb{Z}[/tex]. Em particular, [tex]mdc(a,b) | (ax_0 + by_0 )[/tex], ou seja, [tex]mdc(a,b)| d[/tex]. Logo, [tex]d = mdc(a, b) [/tex], o que prova o nosso resultado.

Com este Teorema em mãos, podemos apresentar a

► Condição de Existência de Solução:

Uma equação diofantina linear [tex]ax + by = c[/tex] possui solução se, e somente se, [tex]d = mdc(a, b)[/tex] divide [tex]c[/tex].

Se a equação admite solução inteira, adotando [tex]d = mdc(a, b)[/tex], temos que [tex]d | (ax + by)[/tex], logo [tex]d | c[/tex]. Reciprocamente, suponhamos que [tex]d | c[/tex], digamos [tex]c = kd[/tex], com [tex] k \in \mathbb{Z}[/tex]. Pelo Teorema de Bèzout, existem inteiros [tex]x_0[/tex] e [tex]y_0[/tex] , tais que [tex]ax_0 + by_0 = mdc(a, b) = d[/tex].

Multiplicando essa igualdade por [tex]k[/tex] obtemos
[tex]\qquad k\cdot (ax_0 + by_0) = k\cdot d,[/tex]
[tex]\qquad a(kx_0) + b(ky_0) = c,[/tex]
e, portanto, [tex]kx_0[/tex] e [tex]ky_0[/tex] são soluções da equação dada. Isso prova a primeira parte do Teorema.

Um caso especial é aquele no qual [tex]a [/tex] e [tex]b[/tex] são números primos entre si, ou seja, [tex]d=mdc(a,b)=1[/tex]. Neste caso, como [tex]d=1[/tex] divide [tex]c[/tex] para qualquer número inteiro [tex]c[/tex], então a equação diofantina linear [tex]ax + by = c[/tex] sempre tem solução.

► Forma geral das soluções:

Se [tex](x_0, y_0)[/tex] for uma solução inteira qualquer da equação diofantina linear [tex]ax + by = c[/tex], então há infinitas soluções, todas elas dadas por:
[tex]\qquad x= x_0 + \dfrac{b}{d} t \ \ \ \text{e} \ \ \ \ y = y_0 -\dfrac{a}{d} t, [/tex]
onde [tex]t [/tex] é um inteiro arbitrário e [tex]d = mdc(a, b)[/tex].

Sabemos, do resultado anterior, que [tex]d | c[/tex]. Se [tex]x_0[/tex], [tex]y_0[/tex] é uma solução inteira da equação e [tex]x_1[/tex], [tex]y_1[/tex] for outra solução inteira da mesma equação, então
[tex]\qquad ax_1 +by_1=a x_0 +by_0,[/tex]
donde
[tex]\qquad a(x_1 − x_0) = b(y_1 − y_0)[/tex].

Dividindo essa igualdade por [tex]d[/tex], temos:
[tex]\qquad \dfrac{a}{d}(x_1−x_0)=\dfrac{b}{d}(y_1−y_0) \ \ \ \ (I).[/tex]

Assim, [tex]\dfrac{b}{d} \bigg|\dfrac{ a}{d} (x_1 − x_0)[/tex] e, como [tex]mdc\left(\dfrac{a}{d} ,\dfrac{b}{ d}\right) = 1[/tex], temos que [tex]\dfrac{b}{d} \bigg| (x_1 − x_0)[/tex]. Logo, existe [tex]t \in \mathbb{Z}[/tex] tal que [tex]x_1 − x_0 = \dfrac{b}{d} t[/tex], ou seja, [tex]x_1 = x_0 + \dfrac{b}{d} t[/tex]. Substituindo [tex](x_1 − x_0)[/tex] por [tex]\dfrac{b}{d}t[/tex] na equação (I), obtemos [tex]y_1 = y_0 − \dfrac{a}{d} t[/tex], com [tex]t \in
\mathbb{ Z}[/tex].

Reciprocamente, é imediato verificar que tais fórmulas fornecem, de fato, para todo [tex]t \in
\mathbb{ Z}[/tex], soluções inteiras para a equação.

Conclui-se assim que, se existe uma solução particular [tex]x_0[/tex], [tex]y_0[/tex] para a equação [tex]ax + by = c[/tex], então existe um conjunto solução para essa mesma equação que engloba infinitos inteiros. Dessa forma, o conjunto solução dessas equações é dado por:
[tex]\qquad S=\left\{\left(x_0 + \dfrac{b}{d} t, y_0 – \dfrac{a}{d} t\right): t\in \mathbb{Z} \right\},[/tex]
onde [tex]t[/tex] é um inteiro qualquer.

No caso especial no qual [tex]d=mdc(a,b)=1[/tex], todas as outras soluções inteiras da equação são dadas por [tex]x=x_0+bt, y=y_0-at[/tex].



Relação entre uma Equação Diofantina e uma Função Afim



Uma observação que vale a pena ser feita é que, na Geometria Analítica, a equação [tex]ax + by = c [/tex] representa uma reta [tex]r[/tex], pois configura uma função afim. Portanto, ao procurarmos soluções inteiras para essa equação, estamos tentando descobrir se a reta [tex]r[/tex] que a representa contém pontos que tenham coordenadas simultaneamente inteiras.

Assim, se uma equação diofantina linear não possui solução inteira, então a reta [tex]r[/tex] que a representa não passa em nenhum ponto do plano cartesiano com ambas as coordenadas inteiras. Se houver solução inteira para a equação, então a reta que a representa possui infinitos pontos cujo par [tex](x, y)[/tex] tem coordenadas inteiras.

Para ilustrar esse raciocínio, mostramos um exemplo na animação a seguir. Você poderá perceber que a equação [tex]3x+5y=5[/tex], representada pela reta azul, possui infinitas soluções inteiras, representadas pelos pontos verdes. Ao contrário, a equação [tex]14x-7y=10[/tex] não possui soluções inteiras. A reta preta que a representa não contém nenhum ponto com ambas as coordenadas inteiras.


Alefe Carvalho, criado com o GeoGebra





Como já sabemos o que são Equações Diofantinas Lineares e já conhecemos alguns resultados importantes, vamos aprofundar um pouco a nossa discussão em mais duas páginas:

Sala 1: Resolvendo Equações Diofantinas Lineares.
Sala 2: Problemas e Materiais de Apoio

Vamos lá?

Sala 1 Sala 2

COM Phidias (EEEFM Maestro José Siqueira – Conceição, PB)
Equipe COM – OBMEP

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